HISTÓRIA DOS OVINOS

OTTO DE SÁ,C. & SÁ,J.L.

 

ORIGEM E DOMESTICAÇÃO DOS OVINOS

        Ainda não é claro quando ou onde ocorreu a origem da civilização. Indubitavelmente, a civilização está relacionada com a domesticação dos animais e, provavelmente, o cão foi o primeiro animal a ser domesticado. Certamente, não distante do cão, veio à domesticação dos ovinos, caprinos e bovinos. Aparentemente, por 10.000 anos, estas espécies têm servido as pessoas.

        O relacionamento entre seres humanos e ovinos foi sempre benéfico para ambos. Os carneiros são insuperáveis na conversão de forrageiras em produtos para o consumo humano de alta qualidade, como a carne e o leite; já a lã e a pele, protegem o homem do frio. A contribuição do ser humano consiste no cuidado e proteção dos ovinos.

        Onde a domesticação dos ovinos ocorreu, não foi estabelecido firmemente, mas evidências indicam que provavelmente aconteceu na Ásia Central. A criação de ovinos na Planície Mesopotânica pelos pastores hebreus, antecede a história escrita. Há 179 referências aos ovinos, 137 a carneiro ou carneiros, 167 a cordeiro ou cordeiros, no Antigo Testamento. O primeiro animal doméstico citado na bíblia é o ovino (Gênesis 4:2). Abel, filho de Adão e Eva, era um pastor. Jacó serviu Laban por sete anos como pastor para ganhar a mão de Raquel. Entretanto, Laban quebrou a sua promessa e exigiu mais sete anos de serviço. Jacó conseguiu Raquel, mas nenhum salário. O negócio prosperou sob orientação de Jacó, que concordou continuar a trabalhar para Laban em troca dos ovinos manchados, malhados e listrados do rebanho. Pela seleção, pelas mutações e utilizando a reprodução dos animais, Jacó produziu os primeiros ovinos de coloração diferente. Jacó era proprietário de rebanhos numerosos quando deixou o serviço de Laban. Os descendentes de Jacó selecionaram os ovinos que apresentavam lã mais branca, até conseguirem a coloração totalmente branca. Davi e Salomão citaram a existência de ovinos brancos em seus escritos. Jacó pode ser lembrado como o primeiro melhorista de ovinos. A descendência de seus ovinos possuía mais de um par de chifres.

        O mundo pode nunca saber como os ovinos foram domesticados ou qual era a ascendência destes animais. Há razões para acreditar que o ovino doméstico pode ter surgido do Muflon, originário da Europa e Ásia ou do Urial Asiático. Ambos, são ovinos selvagens, que têm chifres, caudas curtas e o corpo coberto mais por pêlos do que por lã, indicando um processo de seleção antigo até chegar no ovino doméstico.

OS OVINOS NO MUNDO

        O mundo tem uma população ovina de aproximadamente 1,2 bilhões, ocupando grande parte dos ambientes impróprios para a agricultura, como regiões montanhosas e semiáridas. Os ovinos estão também associados aos sistemas tradicionais de subsistência, especialmente nos países em desenvolvimento. Esta forma de criação tem permanecido inalterada por séculos. Os animais fornecem carne, leite, lã e pele para seus criadores, sendo considerados nos sistemas tradicionais de criação, conversores eficientes de forragens em produtos para o consumo humano. Entretanto, este tipo de exploração está mudando. Quando a terra e outros fatores ambientais são favoráveis, os ovinos podem expressar sua genética através de uma produtividade mais elevada.

        A distribuição dos ovinos no mundo é desigual. Alguns países têm poucos animais enquanto em outros há uma população elevada. O tamanho dos rebanhos varia de algumas a centenas ou milhares de cabeças. As razões para estas concentrações, são explicadas por fatores geográficos, históricos, e comerciais. Em alguns países, a produção e a exportação de carne e lã foi economicamente importante, quando havia uma demanda por estes produtos. Determinados fatores geográficos e características climáticas podem favorecer ou não a produção de ovinos. Há uma maior população ovina em regiões onde os índices pluviométricos anuais estão na faixa de 50 a 100mm.

 

CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS

        Os fatores históricos e comerciais que influenciaram a produção e a população ovina por todo o mundo são interessantes. Na Europa, a Grã Bretanha, a Espanha e Países Bálcãs são os três principais locais de produção ovina. Os Países da Comunidade Econômica Européia têm aproximadamente 92 milhões de ovinos, dos quais cerca de 11 milhões estão localizados na França e 37 milhões na Grã Bretanha. Historicamente, os ovinos foram importantes em função da produção de lã para confecção de roupas. A exportação de lã bruta da Inglaterra para a Europa, foi o primeiro passo neste tipo de comércio, que contribuiu para o enriquecimento do país, seguido pelo desenvolvimento da comercialização de lã beneficiada. A revolução industrial, o aumento das indústrias de beneficiamento e o crescimento da população urbana, foram responsáveis pelo maior poder de compra e maior consumo de carne. Devido a esta maior demanda, os ovinos passaram a ser uma fonte de carne de grande importância. Seguiu-se então, o desenvolvimento das raças inglesas para corte, tão conhecidas atualmente e difundidas em todo o mundo. A maior valorização de rebanhos formados por raças produtoras de carne, em relação a rebanhos produtores de lã, no final do século XVIII e início do século XIX, manteve a viabilidade da indústria ovina na Grã Bretanha , apesar do desenvolvimento da produção de lã no hemisfério do sul.

        A raça Merino, conhecida pela sua lã fina, se originou na Espanha, que manteve o monopólio da produção de lã merina por séculos. Entretanto, no fim do século XVIII, os ovinos Merino se espalharam para a Inglaterra e outros países europeus e, principalmente para a América do Sul, África do Sul, Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos. A Espanha perdeu então, sua reputação de produtora de ovinos de lã fina, para a Austrália.

        Na Itália e nos Países Bálcãs, os ovinos se originaram das raças primitivas e relacionadas com os camponeses e criadores de subsistência. São as raças de triplo-propósito, produtoras de lã, leite e carne. Estes animais foram sendo substituídos por outros de raças especializadas para a produção de leite. A migração sazonal dos animais domésticos e dos povos era dependente da utilização das pastagens naturais, e foi responsável pela mudança no número de ovinos nas diferentes regiões. Há 40 milhões de ovinos na Alemanha, Polônia, Hungria, Romênia e na Bulgária. Os grandes rebanhos, formados por raças especializadas, estão tornando-se mais comuns nestes países.

        No Hemisfério Sul, há quatro grandes áreas importantes de concentração de ovinos: Argentina e Uruguai na Ámérica do Sul, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia. Estes países têm uma história econômica relacionada com os ovinos muito semelhante, começando com a importação de Merinos nos séculos XVIII e XIX, desenvolvimento do comércio de exportação de lã, seguido pela diversificação com a produção da carne, que foi incentivada pela introdução da refrigeração. Estes centros novos de produção ovina foram favorecidos pela terra barata e abundante, por condições climáticas favoráveis e, possuem atualmente, metade da população de ovinos do mundo. O desenvolvimento da indústria ovina no hemisfério sul, resultou em uma redução da expansão de Merinos na Europa, e um declínio constante da produção de lã beneficiada nos países europeus. Além disso, as exportações de cordeiros congelados para a Grã Bretanha e outros mercados europeus, causaram algumas mudanças dramáticas na economia da indústria ovina, ficando difícil à lucratividade com este tipo de produção.

        Por muitos anos, a Austrália foi o maior país produtor de ovinos do mundo, com 135 a 170 milhões de cabeças. É produtor e exportador de lã fina, mas, por causa do declínio do mercado, a população de ovinos na Austrália tem diminuído, e é agora a segundo maior, após a da antiga União Soviética, com 140 milhões. Em 1991, o mercado de lã na Austrália desmoronou, e o governo pagou para os fazendeiros matarem os animais, diminuindo assim, o número de cabeças nos rebanhos.

        A Nova Zelândia importou ovinos merinos da Austrália em 1834 e, até a época da refrigeração, seu principal produto de exportação era a lã merina. No século XX, a Nova Zelândia diversificou o seu mercado, produzindo carne além da lã, que resultou em um produto de qualidade, refrigerado e/ou congelado, excelente para o consumo no país e para a exportação. O desenvolvimento do mercado de carne na Nova Zelândia não sacrificou o seu mercado de lã. Para conseguir isto, mudou-se o tipo de lã produzida. A lã fina do Merino foi substituída por uma produção de lã mais grossa, muito utilizada na tapeçaria.

        Os Estados Unidos, Índia e a União Soviética têm populações consideráveis de ovinos. A população ovina nos Estados Unidos diminuiu de 51 milhões em 1939 para 33 milhões em 1960 e 13 milhões em 1976, estabilizando após este declínio. O tamanho dos rebanhos varia de alguns, mantidos por fazendeiros apenas como passatempo, até centenas ou milhares, pelos fazendeiros com interesse comercial na atividade. Nos Estados Unidos, em 1982, 5096 fazendas possuíam de 1 a 25 cabeças de ovinos, 3396 tinham 25 a 99, 1596 com 100 a 999, 7,5% com 1000 a 2499 e 0,9% com mais de 2500. Espera-se que o número total de ovinos continue diminuindo nos Estados Unidos, de 11,5 milhões em 1984 para menos de 10 milhões no ano 2000. Os colonizadores trouxeram carneiros com eles, mas as raças melhoradas não foram introduzidas até o século XIX. Com a chegada dos Merinos, a indústria ovina se desenvolveu no oeste do país, em função da disponibilidade de grandes áreas de pasto, em regiões primitivas. Os rebanhos no oeste americano, contêm ainda muito sangue Merino, apesar da lã ter se tornado um produto secundário da produção de cordeiros. O Merino ainda é importante nesta região, em função do seu comportamento de permanecer agrupado, mesmo em lugares muito abertos, e por ser uma raça ideal para ser criada em regiões semi-áridas. No leste, os ovinos têm um papel menor na economia da fazenda e complementam a renda de outras atividades agrícolas. Nesta região, prevalecem as raças inglesas produtoras de carne.

        A Índia e o Paquistão juntos, possuem vastas áreas agrícolas e uma população ovina similar à das comunidades de camponeses do sudeste da Europa. Entretanto, o clima quente e seco, embora favorável para as raças produtoras de lã, não é ideal para a produção de carne e leite. A antiga União Soviética tem o maior rebanho de ovinos do mundo, em torno de 140 milhões. Antes da Revolução Bolshevista, a população numerosa de ovinos era criada por camponeses, que tinham ovinos produtores de lã grossa, e por latifundiários, que possuíam animais tipo Merino, produtores de lã fina. Depois da Revolução, a política adotada melhorou os ovinos de lã grossa, através do cruzamento destes animais com Merinos. O objetivo era produzir uma lã com melhor padrão têxtil. As grandes importações de raças de fina lã da Austrália e a adoção de inseminação artificial em larga escala, foram realizadas para atingir este objetivo. Por causa dos invernos rigorosos, as lãs e as peles de ovinos são de grande importância, principalmente na confecção de roupas. Durante a segunda guerra mundial e nos anos seguintes, a população ovina e a produção de lã sofreram uma severa recessão, e a posterior recuperação não ocorreu. A antiga União Soviética com sua grande população de ovinos, e sendo depois da Austrália, o maior produtor mundial de lã, com a crise, passou a incentivar a produção de carne.

        Na América do Norte, os ovinos são manejados dentro de sistemas de criação bastante diversificados, desde o sistema extensivo até o de semi ou total confinamento, incluindo algumas formas de criação por "hobby". O grau de dedicação do proprietário, a identificação individual dos animais e a escrituração zootécnica, variam consideravelmente nestes sistemas, e às vezes são inadequados. Uma prática veterinária preliminar na criação dos ovinos, é educar produtores sobre os aspectos sanitários e produtivos, enfatizando a importância da observação constante do rebanho, da identificação dos animais e controle através de escrituração zootécnica, para a melhoria da saúde e produtividade do rebanho.

        No Canadá, em 1988, estimou-se que havia 365.000 ovelhas e 330.000 cordeiros. O tamanho dos rebanhos de raças puras varia de 50 a 300 ovelhas ou mais. Dependendo da região, o mercado tem como base à venda de reprodutores e matrizes, para atender as criações de animais puros e as comerciais.

        Os ovinos são criados em sistemas que variam desde os extensivos até os mais intensivos. Por exemplo, na Escócia, a taxa de lotação varia de uma ovelha para 2 a 3 hectares em campos nativos, até seis ou sete ovelhas por hectare em pastagens cultivadas. Por causa dos fatores econômicos, há uma tendência para a intensificação da criação, tornando o sistema mais eficiente, mas dependente de forrageiras de elevada qualidade e suplementação com concentrados. Porém, os ovinos são capazes de utilizar uma grande variedade de fontes de alimentos e o mérito da espécie é o aproveitamento de vastas áreas de pastagens naturais. Assim, as forrageiras continuam a ter um papel importante em todos os sistemas de criação de ovinos. A área de pastagens no Reino Unido, tem diminuído, principalmente nos últimos anos, enquanto que o tamanho do rebanho tem aumentado, excedendo a 37 milhões. O efeito disto, foi uma maior pressão de pastejo, já que historicamente, há pouca evidência do uso elevado de grãos e outros concentrados para suplementar as exigências de energia dos ovinos. A maior relação ovino:bovino em muitas fazendas aumentou as dificuldades para propiciar condições adequadas de pastagem durante o inverno e primavera. As práticas de manejo estão sendo melhoradas para suportar este maior número de animais por área, incluindo a adubação do solo, descanso de pastagens no inverno, uso de alimentação suplementar e utilização de forrageiras conservadas, para equilibrar a variação anual da disponibilidade de pasto e das exigências nutricionais dos animais.

        O confinamento de cordeiros tem variado de algumas centenas a milhares de cabeças, que são alimentados com dietas a base de grãos. Aproximadamente 6 milhões de cordeiros são terminados e abatidos anualmente nos Estados Unidos.

        O comércio de ovinos no mundo tem como base a lã, a carne e a produção de cordeiros. A lã produzida é extremamente variável e diversificada. O beneficiamento da lã é complexo por causa da diferença que existe nas fibras que se misturam durante a manufatura. Uma única peça de roupa pode conter lã de diferentes continentes. Cerca de 90% da lã merina no mundo é produzida pela Austrália, África do Sul, Argentina e antiga União Soviética, sendo a Austrália o maior produtor. A lã de ovinos mestiços é produzida na Nova Zelândia, Argentina, Austrália, e na antiga União Soviética. A lã de tapeçaria, é produzida principalmente na antiga União Soviética, China, Índia, e nos Países Bálcãs. Todos os países industrializados do mundo são importadores de lã bruta. A antiga Alemanha Ocidental é o maior usuário de lã por pessoa. A maioria da lã produzida na Austrália, Nova Zelândia, e África do Sul é vendida em leilões públicos pelos corretores de lãs que negociam em nome do produtor. O sucesso do comércio mundial da lã ovina depende da capacidade de produtores e indústrias resistirem à competição com as fibras sintéticas. Para promover o uso de lã e conduzir pesquisas com este produto, o Secretariado Internacional da Lã (IWS), com sua base em Londres e escritórios em 30 países, foi fundado em 1937. A marca da pura lã foi introduzida pelo IWS em 1964, como um símbolo de qualidade, que assegura o comprador de que o produto é realmente feito com lã ovina e sem mistura com outras fibras. O controle de qualidade através da marca, assegura que o produto atenda determinadas exigências técnicas. Assim, características como resistência e cor são controladas. A marca da lã mista foi introduzida em 1971 e indica a existência de mais de 55% de lã no produto.

        O comércio de carne ovina no mundo, é mais limitado do que o de lã. A Comunidade Econômica Européia tem somente 6% dos ovinos do mundo, mas produz 11,0% do total de carne ovina, e contribui com um terço no mercado mundial. A Austrália e a Nova Zelândia estimam contribuir com 80% das exportações mundiais e a Grã Bretanha, França e Japão representam 40% de todas as importações de carne ovina. A exportação de cordeiro congelado para a Grã Bretanha e a França, tem uma grande importância para a Nova Zelândia, por ser o seu principal componente do produto nacional bruto. O consumo de cordeiro na Grã Bretanha tem sido tradicionalmente elevado, mas diminuiu, o que tem afetado seriamente a prosperidade agrícola na Nova Zelândia. O fornecedor predominante da carne ovina é a Austrália, sendo o Japão o maior importador.

        O leite é uma atividade significativa para a indústria ovina. O leite dos ovinos é altamente nutritivo, sendo um componente importante no sustento da família, para muitos milhões de pessoas em diferentes regiões mais favorecidas do mundo. A indústria leiteira se concentra nos países mais desenvolvidos do Mediterrâneo, e está crescendo na Austrália, Israel e França. O leite ovino é raramente consumido na forma líquida, sendo mais utilizado na produção de queijos e iogurtes. O leite ovino tem o dobro do rendimento na produção de queijo, em comparação com o leite de vaca e o de cabra. O iogurte é mais fino, mais leve e em torno de 50% mais nutritivo. A ordenha geralmente é manual, o que exige esforço físico e, freqüentemente, é realizada ao ar livre, expondo os ordenhadores ao tempo. Apesar da disponibilidade de ordenhadeiras eficazes, a ordenha mecânica ainda não é largamente adotada. Os problemas sanitários, particularmente os parasitas internos, a mastite e o foot rot limitam seriamente a produtividade leiteira na Austrália.

        A pele, normalmente é um subproduto da produção de carne. Entretanto, existem raças especializadas para produzir peles, como é o caso da raça Karakul. A produção de pele como subproduto tem grande importância nas exportações de alguns países, como a Índia e o Paquistão. O mesmo é verdadeiro para regiões que possuem numerosos rebanhos, como os países da Oceania e da América do Sul.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DEVENDRA,C. & COOP,I.E. Ecology and distribution, editado por COOP, I.E. New York, ed.Elsevier Scientific Publishing Company, v. 1, p. 1-14, 1982.

 

RADOSTITS,O.M.; LESLIE,K.E. e FETROW,J. Health and production management for sheeo In: Herd Health: Food Animal, Production Medicine, editado por W.B. Saunders Company, 2a. ed, p. 527-606, 1994.

 

ROSS, C.V. History and development of the sheep industry In: Sheep Production and Management, editado por Prentice-Hall, I. New Jersey, 10 ed., p. 122-143, 1989.